30 June 2008

«Alma de Vento»



Traz o vento as horas
Em que o meu amor em mim refez,
Entre o medo e as demoras,
Os silêncios sem "porquês".

Vão no vento os medos
Que soubeste à minha voz.
Gaurdo ao vento os meus segredos
E a razão de sermos nós.

Meu amor,
Às ruas da cidade
Canto o amor,
Na voz de uma saudade,
Que o amor
É um fado sem idade

Vem no vento a chuva
Que se entrega ao meu olhar
Quando a alma em mim se curva
E teima em não querer quebrar.

E quando o tempo levar o sal do pranto
Apagando a dor do fim,
Escondo-me num fado e canto
Como canta o vento em mim.

Meu amor,
Às ruas da cidade
Canto amor
Na voz de uma saudade
Quando o amor
É mais que uma ansiedade,
É a dor
Dum fado sem idade...



(Diogo Clemente / Dominic Miller)

29 June 2008

«CASA»


Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão. . .

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.



David M. Ferreira

«CAMINHO»


Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.




C. Pessanha

22 June 2008

«The Story»

Brandi Carlile


All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you
I climbed across the mountain tops
Swam all across the ocean blue
I crossed all the lines and I broke all the rules
But baby I broke them all for you
Because even when I was flat broke
You made me feel like a million bucks
You do
I was made for you
You see the smile that's on my mouth
It's hiding the words that don't come out
And all of my friends who think that I'm blessed
They don't know my head is a mess
No, they don't know who I really am
And they don't know what
I've been through like you do
And I was made for you...
All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you

16 June 2008

O meu Versailles...


A vida é difícil de viver, diria mesmo que a vida é como uma calçada em obras, com as suas crateras, os seus enormes rochedos, pedregulhos, pedras e pedrinhas que não são intransponíveis... ou melhor, a própria vida nos obriga a transpor todos estes «obstáculos» - cada dia que passa maiores, mais fortes, mais penosos de enfrentar...
Eis que sou levado em mais uma enchurrada: a degradação assola-me, a morte tenta rondar, os alicerces cedem, os esteios afastam-se, as torres (contruídas com tanto suor, lágrimas e amor) ruem... e do meu antigo castelo nada resta salvo ruínas...chamas que se apagam...masmorras que se abriram e tudo me atormenta de novo... (nem sequer a esperança ficou comigo enclausurada).
Depois da tempestade segui o provérbio que diz que se devem apanhar todas as pedras do nosso caminho para que mais tarde se construa, com as mesmas, uma casa, um castelo, ou algo do género... Bem, as minhas 'pedrinhas' ofereceram-me uma réplica de Versailles... Gigantesca nova morada cheia do que mais me agrada, mais me extasia, mais me revejo: bustos, lustres, lagos, jardins, marmórias galerias, quadros, brilho, luz... um sonho para qualquer amante da arte e do vislumbre. O meu palácio solar, o meu reflexo (?). À noite tudo se desvanece num pavoroso e sublime grito... este palácio nada mais é do que um baú de tesouros com memórias que não lhes é permitido revelar e das quais as próprias gentes jà nem memória têm...Como eu, são a mais admirável das 'relíquias'; também elas foram ultrapassadas pela angústia e desconforto da noite sem memória que as devora e gangrena por dentro e, contudo, tudo é indiferente, tudo não atinge a sua angústia, tudo é imotavelmente e irremediavelmente indiferente.
Canso-me. Tenho cansaço de tudo, de todos, de todas as coisas que foram, das que já não o são, e cansa-me, desde já, tudo o que está por vir... Tenho saudades de mim. Tenho saudades da pseudo-liberdade de outrora... Sinto falta daquilo que fui - daquilo que pensava ser por e para outrém -, sinto falta de amar como devia ser - correspondidamente, apaixonadamente, desinteressadamente, mortalmente, eternamente...Quem ama é louco. Quem ama fica louco. Quem ama sofre. Quem ama deixa de viver...por isso me cerca A inevitável, A mais certa de todas as etapas de qualquer vida...
O meu Versailles atormenta-me; sufoca-me na sua grandeza, no seu cheiro a mofo! A meu Versailles cresce comigo e, ao crescer, derruba as paliçadas, quebra-me os bustos, tapa-me as janelas! O Rei-sol já ca não vive... tapei-lhe as janelas e a noite matou-o...já não entra mais até que me apeteça voltar a olhar para ele e deixar-me consumir. A negrura da noite gela, mas também se gelavam os corações quando se tinha de os operar...no fim da operação virá a cicatrização e, no fim desta, talvez o volte a querer aquecer - ou talvez o deixe gelado (nem eu sei).
Canso-me; sofro por me pensar, bem como pensar os outros em sua vez... Não sou psicólogo, nem sequer sou «pago»; porquê tantas perguntas se sabem que não posso nem quero dizer a verdade que jà sabem e também não querem ouvir!!!?
«Derrocada pavorosa» e que desgraça tão grande saber que tenho «tantas almas a rir dentro da minha» como o disse F.Espanca. Tudo se minimizou face a esta rasteira...as grandes muralhas como que se dissolveram face a esta montanha! E tudo é efémero; até este desabafo me parece já ridículo e irrisório...enfim. Tudo me faz falta e, contudo, tudo me cansa, logo, sou mutilado com dois gumes...


«Bom é que não esqueçais
Que o que dá ao amor rara qualidade
É a sua timidez envergonhada
Entregai-vos ao travo doce das delícias
Que filhas são dos seus tormentos
Porém, não busqueis poder no amor
Que só quem da sua lei se sente escravo
Pode considerar-se realmente livreF.Pessoa


14 June 2008

«SOU O FANTASMA DE UM REI»

Sou o fantasma de um rei
Que sem cessar percorre
As salas de um palácio abandonado...
Minha história não sei...
Longe em mim, fumo de eu pensá-la, morre
A ideia de que tive algum passado...

Eu não sei o que sou.
Não sei se sou o sonho
Que alguém do outro mundo esteja tendo...
Creio talvez que estou
Sendo um perfil casual de rei tristonho
Numa história que um deus está relendo...



Fernando Pessoa

«MEU CORAÇÃO TARDOU»

Meu coração tardou. Meu coração
Talvez se houvesse amor nunca tardasse;
Mas, visto que, se o houve, houve em vão,
Tanto faz que o amor houvesse ou não.
Tardou. Antes, de inútil, acabasse.

Meu coração postiço e contrafeito
Finge-se meu. Se o amor o houvesse tido,
Talvez, num rasgo natural de eleito,
Seu próprio ser do nada houvesse feito,
E a sua própria essência conseguido.

Mas não. Nunca nem eu nem coração
Fomos mais que um vestígio de passagem
Entre um anseio vão e um sonho vão.
Parceiros em prestidigitação,
Caímos ambos pelo alçapão.
Foi esta a nossa vida e a nossa viagem.




Fernando Pessoa