16 June 2008

O meu Versailles...


A vida é difícil de viver, diria mesmo que a vida é como uma calçada em obras, com as suas crateras, os seus enormes rochedos, pedregulhos, pedras e pedrinhas que não são intransponíveis... ou melhor, a própria vida nos obriga a transpor todos estes «obstáculos» - cada dia que passa maiores, mais fortes, mais penosos de enfrentar...
Eis que sou levado em mais uma enchurrada: a degradação assola-me, a morte tenta rondar, os alicerces cedem, os esteios afastam-se, as torres (contruídas com tanto suor, lágrimas e amor) ruem... e do meu antigo castelo nada resta salvo ruínas...chamas que se apagam...masmorras que se abriram e tudo me atormenta de novo... (nem sequer a esperança ficou comigo enclausurada).
Depois da tempestade segui o provérbio que diz que se devem apanhar todas as pedras do nosso caminho para que mais tarde se construa, com as mesmas, uma casa, um castelo, ou algo do género... Bem, as minhas 'pedrinhas' ofereceram-me uma réplica de Versailles... Gigantesca nova morada cheia do que mais me agrada, mais me extasia, mais me revejo: bustos, lustres, lagos, jardins, marmórias galerias, quadros, brilho, luz... um sonho para qualquer amante da arte e do vislumbre. O meu palácio solar, o meu reflexo (?). À noite tudo se desvanece num pavoroso e sublime grito... este palácio nada mais é do que um baú de tesouros com memórias que não lhes é permitido revelar e das quais as próprias gentes jà nem memória têm...Como eu, são a mais admirável das 'relíquias'; também elas foram ultrapassadas pela angústia e desconforto da noite sem memória que as devora e gangrena por dentro e, contudo, tudo é indiferente, tudo não atinge a sua angústia, tudo é imotavelmente e irremediavelmente indiferente.
Canso-me. Tenho cansaço de tudo, de todos, de todas as coisas que foram, das que já não o são, e cansa-me, desde já, tudo o que está por vir... Tenho saudades de mim. Tenho saudades da pseudo-liberdade de outrora... Sinto falta daquilo que fui - daquilo que pensava ser por e para outrém -, sinto falta de amar como devia ser - correspondidamente, apaixonadamente, desinteressadamente, mortalmente, eternamente...Quem ama é louco. Quem ama fica louco. Quem ama sofre. Quem ama deixa de viver...por isso me cerca A inevitável, A mais certa de todas as etapas de qualquer vida...
O meu Versailles atormenta-me; sufoca-me na sua grandeza, no seu cheiro a mofo! A meu Versailles cresce comigo e, ao crescer, derruba as paliçadas, quebra-me os bustos, tapa-me as janelas! O Rei-sol já ca não vive... tapei-lhe as janelas e a noite matou-o...já não entra mais até que me apeteça voltar a olhar para ele e deixar-me consumir. A negrura da noite gela, mas também se gelavam os corações quando se tinha de os operar...no fim da operação virá a cicatrização e, no fim desta, talvez o volte a querer aquecer - ou talvez o deixe gelado (nem eu sei).
Canso-me; sofro por me pensar, bem como pensar os outros em sua vez... Não sou psicólogo, nem sequer sou «pago»; porquê tantas perguntas se sabem que não posso nem quero dizer a verdade que jà sabem e também não querem ouvir!!!?
«Derrocada pavorosa» e que desgraça tão grande saber que tenho «tantas almas a rir dentro da minha» como o disse F.Espanca. Tudo se minimizou face a esta rasteira...as grandes muralhas como que se dissolveram face a esta montanha! E tudo é efémero; até este desabafo me parece já ridículo e irrisório...enfim. Tudo me faz falta e, contudo, tudo me cansa, logo, sou mutilado com dois gumes...


«Bom é que não esqueçais
Que o que dá ao amor rara qualidade
É a sua timidez envergonhada
Entregai-vos ao travo doce das delícias
Que filhas são dos seus tormentos
Porém, não busqueis poder no amor
Que só quem da sua lei se sente escravo
Pode considerar-se realmente livreF.Pessoa


1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

"Tudo me faz falta e, contudo, tudo me cansa..."
"Tenho saudades da pseudo-liberdade de outrora..."

daquela liberdade em que nada fazia falta e em que nada nos cansava...ou quando cansava se punha de lado com a maior das facilidades...

os castelos são construções que perduram durante anos, com vida própria mesmo quando estão em ruinas...simples ruinas conseguem transmitir a magia e presença de um castelo, por isso ele nunca morre, nunca acaba, mesmo que nunca se transforme...

as feridas, tão fortes de noite, nunca cicatrizam...mas esquecem-se quando menos esperamos...quando ficamos loucos de novo, e amamos para criar um nova ferida...

"Quem ama deixa de viver"?? NÃO!
Quem ama vive! Quem ama procura aquele amor desinteressado e eterno, que muito poucos encontram.

PS: Como alguém disse, não podemos analisar a vida até ao infímo átomo...

Um abraço do tamanho do mundo e arredores, de alguém que sempre viveu num castelo em ruinas...

9:06 PM  

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